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quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A voz de Elis e o humor de Adoniran: Iracema



Um ator cômico: Adoniran Barbosa

O talento de Adoniran Barbosa como ator ocupa boa parte da biografia lançada
esta semana pela Globo. Depois de uma estilingada bem dada no popó de Neusa
Veras, no clássico filme O Cangaceiro, a carreira do velho sambista,
transformado em nordestino, parecia prestes a decolar. Mas, como tudo na
vida do amigo de Arnesto (aquele que o convidou para um samba no Brás), a
passagem pelo cinema foi complicada. Um dado curioso recolhido pelo biógrafo
Celso de Campos Jr. revela que Lima Barreto, realizador de O Cangaceiro,
gostou tanto dele que escalou o compositor para o papel do beato Antônio
Conselheiro, líder de Canudos, em O Sertanejo. O filme morreu no roteiro (a
produtora Vera Cruz foi à bancarrota). Adoniran ficou triste. De qualquer
forma, não deu muita bola. Leu Os Sertões de cabo a rabo (ele jurava) e
achou "meio cacete".

Adoniran se dava melhor com os filmes carnavalescos. Participou do primeiro
do gênero produzido em São Paulo, Carnaval em Lá Maior (1955), uma folia
anárquica cujo roteiro (do genial Osvaldo Moles) era mais confuso que pregão
da Bolsa de Valores. Em Mazzaropi ele encontrou o parceiro ideal. De
vendedor judeu no fracassado Carnaval (papel repetido em Caídos do Céu) a
sitiante em A Carrocinha, rodado no mesmo ano com o eterno Jeca, o criador
de Iracema fez de tudo um pouco. Um verdadeiro biscateiro do cinema. Seu
biógrafo, sempre atento ao contexto histórico e político, gasta páginas e
páginas para traçar uma panorâmica do Brasil das misses e descrever uma
espécie que começava a nascer: a classe média consumidora.

Os sambas de Adoniran eram o antídoto para a alienação de uma categoria
social que continuava ignorando o que se passava à volta. Saudosa Maloca,
gravada em 1951, voltaria renovada na interpretação dos Demônios da Garoa
cinco anos depois, revelando a uma São Paulo progressista a existência de um
subproletariado urbano que ocupava casarões condenados. Entre outros
aperitivos oferecidos ao leitor, o biógrafo relata como nasceu a música. A
inspiração veio da história real de Mato Grosso e Joca, carregadores de
feira que ajudavam a mulher de Adoniran a levar sacolas para o prédio do
casal, na Rua Aurora, centro de São Paulo. Sumiram do casarão abandonado do
Hotel Albion quando começou a demolição. Adoniran nunca mais os viu.

Sentimental, o compositor tinha pelos amigos devoção religiosa, quase tão
grande como por cigarros e bebida. No fim da vida, morando em Cidade
Adhemar, viajava quase todos os dias para o centro e, despejando Eduardo
Gudin de seu escritório, passava as tardes dormindo em sua produtora, quando
não no confortável sofá da sala de espera da Rádio Eldorado, então instalada
na Rua Major Quedinho. João Lara Mesquita, diretor-executivo da emissora,
facilitando a soneca, providenciou um crachá permanente para o amigo.

Adoniran não precisava mais de holofotes. Um câncer no fígado estava prestes
a tirá-lo do foco para sempre.
ANTONIO GONÇALVES FILHO

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